domingo, 5 de fevereiro de 2012

Marco Antônio Villa, historiador hiperbólico

É uma constatação quase banal afirmar que a oposição parlamentar brasileira passa por um longo e traumático processo de redefinição. Após três derrotas consecutivas em eleições presidenciais, duas com José Serra e uma com Geraldo Alckmin, o PSDB tenta com as forças que lhe restam se livrar de Serra, o DEM se desfaz em praça pública e os partidos menores fogem desesperados em busca de alguma sombra.


Na imprensa, parte considerável dos cronistas de oposição já parou de lamentar a ausência de oposição a Dilma e passou simplesmente a apontar os erros reais ou imaginários do governo, sem muita esperança de que seus textos tenham outro efeito senão o de "fixação de marca". 


Nesse contexto, é bastante divertido analisar aqueles autores que, por uma razão ou por outra, trafegam próximos ao limite da razão. O historiador (sic) Marco Antonio Villa, buscando um lugar ao sol entre os porta-vozes do Lado Negro da Força, tem publicado vários artigos contra o governo Dilma, textos recheados de hipérboles apocalípticas e profecias trágicas. Vou me divertir aqui com um texto recente, no qual Villa trata do "silêncio da oposição". 

Villa, como um relativo "newcomer" nesse já saturado mercado de cronistas anti-Lula, anti-Dilma e anti-PT, tem tentado se diferenciar por uma quase histeria oposicionista, um histrionismo que lembra muito os nossos piores senadores e deputados em seus piores momentos, ali por 2005 ou 2006. 


Logo no primeiro parágrafo, para que não reste dúvida de sua índole, o bravo historiador diz que "vivemos numa grande Coreia do Norte com louvações cotidianas à dirigente máxima do país e em clima de unanimidade ditatorial". Nesse instante começamos a imaginar se Villa lê jornais onde ele mesmo escreve ou assiste às TVs que o entrevistam. Talvez eu me engane mas, da última vez que olhei, a imensa maioria dos analistas da grande imprensa (em jornais, na TV, no rádio) continuava batendo diariamente em Dilma, no PT, no governo e, sempre que possível, em Lula. Comparar o clima político brasileiro a uma Coreia do Norte é um recurso retórico tão surreal que só resta ao leitor sorrir embaraçado. Para se contrapor a uma tolice desse calibre alguém precisaria começar a crítica com algo na linha "o analista neo-nazista Villa destilou ontem em artigo de jornal todo o seu ódio contra o governo Dilma". 


Mas o professor parece tomar um efeito da era Lula, a auto-destruição da oposição, mais por seus próprios erros de avaliação que por alguma mágica lulista, por causa. Ele parece imaginar que uma oposição incompetente necessariamente tem como consequência um governo ditatorial e fechado.


Não é o caso, além do diagnóstico de Villa estar errado desde os primeiros princípios. O segundo parágrafo começa com uma frase reveladora: "A fragilidade da ação oposicionista não pode ser atribuída à excelência da gestão governamental". Segue-se a enumeração das falhas "reconhecidas" do governo Dilma: baixo crescimento, inflação alta, desindustrialização, atraso em diversas obras, um ministério corrupto e inoperante. Na cabeça de Villa, a lista possivelmente prova a premissa da má gestão governamental. Na verdade, a lista mostra apenas que Villa quer se firmar como um crítico do governo Dilma, cometendo os mesmos erros de avaliação que levaram a oposição ao abismo e deveriam ter levado a maior parte de seus aliados na imprensa ao desemprego.


Qualquer governo é julgado mais pela forma como enfrenta os problemas que pela natureza dos problemas em si. A oposição se apegou, por anos, ao discurso do Lula incompetente, do despreparado que tinha apenas a sorte de governar com um cenário externo favorável. Na cabeça da oposição e de seus jornalistas tudo se passava como se nada do que o governo fizesse importasse. Assim, deixaram escapar a importância do Bolsa Família, do ProUni, não viram a brutal massa de miseráveis se movendo morro acima na pirâmide social. E em 2008, incapazes de enxergar o óbvio e com um discurso que naquele momento flertava já com a traição ao próprio país, perderam o discurso da sorte, quando o governo enfrentou de forma brilhante a maior crise econômica das últimas décadas.


Villa não vê ou se recusa a ver que os efeitos da crise externa, que acabam refletindo em índices econômicos como a inflação e o crescimento do PIB, tem sido objeto de medidas, até certo ponto bastante eficientes, por parte do governo. Ou será que os índices de desemprego batendo recordes negativos, a queda gradual porém constante das taxas de juros, as medidas ora protecionistas ora globalizantes da Fazenda, tudo isso é obra do acaso?. Ele também não enxerga, e isso é gravíssimo para alguém que se quer "analista político", que o combate à corrupção e o freio de arrumação que Dilma está impondo à coalizão são inéditos na democracia brasileira recente. Enquanto Lula e FHC, até por temperamento, contemporizavam e acomodavam, Dilma parece disposta a encurtar a rédea e obrigar os partidos da base se tornarem parte da solução e não parte do problema. Os cronistas não cansam de apontar para o fato de Dilma ser responsável pela nomeação dos corruptos. Ao mesmo tempo o povo, agradecido, não se cansa de apontar, através de recorde sobre recorde nos indices de aprovação, que Dilma é a responsável pela demissão dos corruptos. A insistência na agenda negativa é tão contra-producente que é espantoso que os analistas da oposição não vejam isso. Villa chega às raias do absurdo, ao insistir no mito de fundação tucano, o mito do Plano Real como causa primordial e única de todos os acertos posteriores.


Dadas essas premissas erradas, fica simples para Villa continuar sua "análise", mostrando como o PSDB desprezou os 44 milhões de votos que teve em 2010, ignorou as denúncias de corrupção, não bradou contra a incompetência do governo e corre o risco de extinção. Basicamente Villa parece alguém que chegou atrasado à festa. Seu discurso ignora como o combate anti-Lula, em que se engajaram, por anos a fio, vários líderes oposicionistas, foi o equivalente a tentativa coletiva de suicídio. Ao final daquela longa batalha, só mantiveram seus mandatos aqueles que não precisaram coloca-los em jogo nas eleições em 2010. A oposição que restou, e que Villa ataca de forma quase cômica, procura agora se reorganizar, manter determinados estados-chave e encontrar uma forma eficiente de enfrentar um governo popular. E se livrar de José Serra, claro.


A penúltima observação sobre esse texto é a correspondência entre os marcadores linguísticos que abrem e fecham o texto. Se Villa começa com a comparação absurda do Brasil de Dilma com a Coreia do Norte, ele termina de forma não menos fantástica, comparando Dilma a Mussolini. Não são escolhas casuais: a direita há tempos gosta de igualar comunismo e fascismo. Usando esses paralelos, o recém-chegado Villa quer demonstrar que tem credenciais para ser aceito no "clube". Ainda que suas escolhas se mostrem mais próximas do pastiche que da paródia, como cabe ao ambiente pós-moderno. A Coreia do Norte já era uma piada quando a União Soviética ainda existia e a China ainda era comunista. Benito Mussolini, até onde se sabe, não promoveu eleições livres enquanto governou a Itália. As hipérboles fantásticas de Villa na verdade servem como recados ao público interno: nosso historiador mostra que é capaz de escrever qualquer coisa que mandarem. Mais especificamente, o que Serra mandar. Resta saber se José Serra precisa de mais um analista político em seu quadro de funcionários.


Por fim, resta explicar as aspas em "reconhecidas" alguns parágrafos acima. A lista de Villa é apenas a lista padrão da maioria dos analistas. Merval, Sardenberg, Leitão, Kramer, Azevedo, todos eles não se cansam de apontar os mesmos problemas, dia após dia. Mas esses são problemas deles. Para a esquerda independente e uma parte cada vez maior da esquerda oficial, as falhas desse governo passam longe da manutenção do status quo econômico, da construção de estádios para a Copa ou do ímpeto denuncista da revista semanal preferida de dez entre dez eleitores da Soninha. 


A verdadeira batalha se trava em outro fórum, nos Pinheirinhos, nas Cracolândias, na ocupações sem agenda, na luta contra a propriedade intelectual, nas inúmeras frentes ecológicas (de Belo Monte a Fukushima e de volta), nas frentes de cultura popular, na USP ocupada. Em cada uma dessas arenas todos nós sabemos de que lado estão estes analistas. 


Miseravelmente, em mais casos do que seria razoável o governo Dilma tem estado com eles.

2 comentários:

  1. Paulo,

    o teu texto é brilhante, e eu assinaria se fosse capaz de escrever assim...

    Só acho que não dá para considerar o Villa um "newcomer" neste mercado.

    Logo quando o Lula se elegeu o Villa publicou uma biografia de João Goulart - na qual o presidente derrubado pelo golpe de 64 é apontado como bêbado, mulherengo e despreparado (qualquer paralelo com Lula não era nenhuma coincidência).

    Bem interessante contrastar com a biografia de Jorge Ferreira, publicada ano passado, após a saída de Lula, e da qual eu fiz uma resenha:

    http://www.gazetadopovo.com.br/cadernog/conteudo.phtml?tl=1&id=1152674&tit=Jango-pelos-olhos-de-um-historiador

    Recentemente o Villa publicou um livro sobre a "revolução" de 1932. Não preciso dizer que ele tem uma crença própria na missão da classe média paulista nos rumos da nação.

    Ele não precisou ser recrutado pelo Serra - pelo contrário. Eu diria que o Serra é que teve que ir para esse time quando o Lula caminhou para o centro em 2002.

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  2. André, primeiro obrigado pelo elogio.

    Quanto ao "newcomer", me referia mais à carreira de "analista político" da grande midia. Villa tem aparecido recentemente em vários jornais e na televisão, algo que não acontecia com a mesma frequência durante a era Lula. Me passa como uma necessidade de "caras novas" no mercado conservador.

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